domingo, 29 de agosto de 2010

Se a feira de Custóias fosse em França...

...talvez esta história da expulsão dos ciganos de origem romena não estivesse a acontecer.
Em tempos de crise a função social de centro comercial dos pobres que os ciganos têm ajuda a uma melhor convivência e tolerância pela nossa sociedade dos ciganos. Por outro lado, os nossos ciganos já vieram há muitos anos dum oriente de que eles próprios já nem se lembram, ao passo que estes ciganos de origem romena e búlgara e a tentar desesperadamente sobreviver em solo francês, fogem sobretudo de uma pobreza e de uma segregação ainda mais fortes nos países de origem, colocando entre aspas o apelo do ministro Romeno dos Negócios Estrangeiros para uma solução europeia para os roma, ie, os ciganos... Sabendo nós que no parlamento romeno têm assento deputados que defendem pura e simplesmente a expulsão de todos os ciganos da Roménia, o que distingue Sarkozy destes deputados? Roménia, esse confuso e estranho país membro da "nossa" União Europeia onde a percentagem de licenciados é superior à nossa, o salário médio menos de metade do nosso, e onde vive uma importante minoria húngara no nordeste, uma outra mais pequena alemã - donde nasceu a prémio Nobel Hertha Müller, hoje a viver na Alemanha - e ainda a maior comunidade cigana europeia. Roménia, que tem um país irmão a falar a mesma língua logo em frente - a Moldávia, país-pária, sequela da guerra fria.
Os ciganos, a única Europa que é nómada, quando a Europa é por definição uma civilização sedentária. E não começam os nossos livros a contar a nossa história falando das primeiras cidades? Os nómadas sempre foram os inimigos, os ladrões, os assaltantes. Embora com o  passar dos séculos se transformassem nos comerciantes, nos comunicadores, nos que dançam e cantam e fazem a música que fica. Perguntem a Kusturica sobre a música dos Balcãs.
Esta Europa, que sonha toda em se transformar numa única e enorme Confederação Helvética, horários do lixo incluídos, desaprendeu o valor desse sonho alternativo que representam os ciganos, filhos da estepe do leste que entra pela Europa adentro pelo norte da Roménia, pela Hungria. Os húngaros por sua vez têm a mesma origem no leste asiático, embora o império Austro-húngaro os tenha "centralizado", tornado quase aprendizes-modelo do sonho mittel-europeu.
Mas não nos desviemos. Os ciganos são "a" minoria europeia. Ou nem isso: se na Europa eles metaforicamente fossem os 20% de oxigénio cruciais para que ainda haja "sinais de vida", será o oxigénio uma "minoria" molecular no ar que respiramos?
Tentemos ser com eles menos estúpidos do que temos sido com relação ao Islão. A Europa tem com os ciganos uma dívida que não tem com o  Islão. Tentemos compreende-los. Criar pontes de diálogo. Obrigar os governos Romeno e Búlgaro a cumprir a lei - europeia, por ex. Queremos que eles cumpram a lei - de acordo - mas não cumprimos a lei com eles!
Acabar com a Escola Móvel significou que Portugal está atento aos sinais dos tempos...
E se eles se quisessem manter nómadas? Que fixe...

PS.: não haja quaisquer confusões os "nossos" ciganos são nossos há séculos, e sentem-se perfeitamente portugueses, lembro aliás um histórico documentário sobre a urgência do meu hospital onde a única nota dissonante era um ortopedista, conhecido energúmeno da nossa praça, destratar um cigano, que lhe respondia aos berros que "também era português"... o que se pode dizer sobre os ciganos expulsos de França é que também são europeus...

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