domingo, 25 de março de 2012

Eduardo Catroga.

O empregadito mais caro de Portugal.

quinta-feira, 22 de março de 2012

tolerância de ponto


somos intoleravelmente tolerantes e toleramos o ponto as pontes e as pontas
e damos tolerância ao fanatismo austero de intolerantes figuras que nos complicam
o abecedário linear da sobrevivência.
somos intoleravelmente tolerantes porque achamos graça
à difícil conjugação do verbo tolerar. simplesmente por isso.

assim: eu não tolero mas tu toleras
e por causa disso todos nós toleramos sem eu querer
esta monotonia frustrada de uma gramaticalidade errónea.

tens razão: nós são mais do que eu
e isso nota-se nas curvas das estatísticas e nos substantivos de tolerância colectiva que as notícias afirmam ser verdade.

somos intoleravelmente tolerantes e por causa disso
toleramos o ponto final que nos diz: chega.
mas como perceber a nossa tolerância ao ponto de interrogação
que pontua a democracia?



sexta-feira, 9 de março de 2012

um exército




há um exército de gente confusa e nossa entre os dedos deste tempo sem alma e sem coração
há uma gente de um exército nosso incapaz de inventar uns  míseros postigos por onde o sol entre devagarinho  sem facturas ou impostos.

há um exército silencioso de gente nossa que não tem emprego nem dinheiro nem força para desaguar a raiva na estrutura débil destes senhores que dia após dia vomitam amarguras gratuitas.

há um exército de gente desiludida e nossa e pobre e triste e sem a mínima hipótese de abrir uma pequena porta por onde a luz de um sorriso genuíno e livre se esgueire ao encontro combativo dos novos medos e das novas revoltas plantadas com a maldade fria dos tiranos.

há um exército de gente falida e nossa derrotada e doente à mercê das tribos de maquiavel
e dos elefantes de aníbal.

pois é.
este quartel já não promete alvoradas e o recolher vergonhoso da honra desobriga-nos da obediência antiga com que cosíamos a liberdade.

há um exército de coitados e de gente simples e nossa que morre em cada instante que descobre mais um vestígio de sacanice na cabeça e nos olhos e na alma de quem diz que tudo o que de mal existe é para o nosso bem.


In “Maia Hoje”, 09.03.2012

terça-feira, 6 de março de 2012

3,14


somos 3,14 vezes mais egas do que o que estaria previsto
no argumento da rua sésamo.
somos 3,14 vezes o feminino do ego no plural do insulto
e ficamos de trombas quadradas na fotografia lamecha
desta circunferência circular e democrática.

não. não somos quadrados como os oradores
de circunstâncias austeras.
somos redondos e sem esquinas.

somos o raio, o relâmpago, o trovão e a chuva miudinha
dos comícios regados a maduro tinto.
e depois perguntam-nos pelo que devemos aos mercados
aos economistas e aos diabos dos divinos carteiristas
em desgovernos e sermões de conversa fiada.

somos 3,14 vezes erre dois como o Pierre
o dos apóstolos
que valia por mil secretários de estado
em mau estado de conversação como estes de agora.

somos 3,14 vezes mais egoístas do que um narciso qualquer
e é exactamente por isso que nos quedamos
à beira do rio olhando o nosso tronco dobrado e liquefeito
na superfície aritmética das margens.

não somos os coitadinhos que apregoam nem os queixinhas
de um terreiro de mentiras.

somos a razão constante entre a circunferência de um círculo
de ciclos em negação 
e o diâmetro hipotético da sua irreversibilidade quotidiana.

somos 3,14 vezes mais egas do que seria suposto sermos
nestes contextos tão adversos
que nos abraçam de vazios e de medos

mas mesmo assim sobrevivemos à canícula dos algozes
e gostamos de nós.

sim, somos PI egas. e depois? 


in "Godomar Económico", Março de 2012