"Gestão por objectivos", eis as palavras mágicas. Trabalho numa área onde uma gestão por objectivos é das coisas mais perigosas. Que objectivos? A satisfação do cliente - pessoa doente - parece ser o mais óbvio. Mas logo se considera este dos medidores mais subjectivos - não está tudo tão mal e, no entanto, a saúde é das áreas mais bem valorizadas pelos portugueses, ao contrário da justiça, por ex.? Gestão por objectivos é "mais consultas", "mais cirurgias", "internamentos mais curtos", "menos mortes", "menos infecções", "cirurgia de ambulatório", "antibióticos menos utilizados", etc., etc., etc. O óbice mais imediato a esta busca perene de indicadores em permanente melhoria é... os doentes! Cada vez mais velhos, mais poli-doentes, mais complicados... e que vão começar a ser segregados se o seu caso prometer arriscar estatísticas, médias, tendências, etc. O que aliás já acontece, e nego-me aqui a dar exemplos... A gravidade e o potencial de complicação de um doente é dificilmente mensurável, embora seja possível. Não se ouve pelos jornais aleluias aos hospitais que assumem o complicado, o demorado, o imprevisível, o desesperado. Afinal, vou contar: hoje em dia a rede de Cuidados Continuados rejeita doentes por não terem grande potencial de recuperação, esquecendo que o seu nome e vocação é/era originariamente outro/a - ou então chamar-se-ia "rede de Cuidados de Recuperação" e não... O desafio em Portugal hoje é este, conseguir compaginar essa ilusão do "cluster" de excelência na saúde com a real realidade vivida de que os cuidados de saúde para o público geral, que tanto melhoraram, ainda devem melhorar mais. Indo buscar o caso da Fundação Champalimaud, o seu potencial assistencial é/será apenas meia gota no oceano - há centros de saúde que atendem mais doentes - logo, quem seleccionará? A percentagem de casos novos de cancro da mama em Portugal a descer até à doca de Pedrouços em Lisboa vai ser, o quê, um por cento? Menos? Por outro lado, aqui no norte, dois centros diferenciados de Oncologia funcionam a rebentar as costuras separados por uma rua - alguém ouviu falar de sinergias? Mas claro, em Portugal, a palavra "sinergias" sempre foi sinónimo de despedimentos e redução de cuidados, logo... cuidado, muito cuidado! Onde foi que não aprendemos a lição? Em que passo das instruções se perdeu o pé? Quem explica aos portugueses que o computador estabelece que uma consulta sua no médico de família não PODE durar mais de quinze minutos? Chamar o nome, abrir a porta e saudar, um minuto; pousar as canadianas, puxar a cadeira, sentar como deve ser, um minuto; "Então como vai" e resposta, três minutos; "Então vamos auscultar esse coração", três minutos, com opcional de minuto extra se soutien complicado (57% dos doentes são mulheres); "Hum, vou-lhe pedir um raio xis", dois minutos, opcional de dois minutos extra para explicar porquê; "Senhora enfermeira, o electrocardiógrafo já veio de arranjar? É que tenho aqui uma dúvida na auscultação, será uma arritmia...", isto podem ser de quatro a oito minutos, se por azar o electrocardiógrafo estiver arranjado pode acontecer ter que acontecer o exame ao doente, e tem que sair este - um minuto levantar, outro deslocar-se até ao aparelho na sala ao lado, ui, e deitar, com a prótese da anca - e agora a decisão difícil - chamo outro? espero? - o que sugere o computador? Chegados aqui, já o tempo se esgotou vai para muito, e o pobre Médico de Família chumbou no que à "gestão por objectivos" diz respeito...
Mensagem a reter: o bom Médico de Família não fala com os seus doentes. Pudera...
História pública
Há 16 horas
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