domingo, 17 de abril de 2011

Não uma moeda de cem escudos qualquer...

No meio do ruído de fundo da semana que findou, líbio, iemenita, japonês, sírio, grego, alemão, finlandês, um doente meu ofereceu-me esta sexta-feira que passou, para a minha filha, uma moeda de cem escudos de prata, comemorativa do 25 de Abril, tiragem de 1977. Tem a minha filha doze anos, a dele um bom bocado mais, fora por mim observada umas semanas antes, suponho que aqui residirá a razão deste presente, dirigido à Catarina.

Mas, porquê aquela moeda de cem escudos comemorativa de uma revolução havida vinte e quatro anos e oito meses antes do nascimento da Catarina? E logo na semana em que o Otelo veio a terreiro dizer que "Hoje, não voltava a fazer a revolução!"? Ainda bem que o amigo Vasco Lourenço o desmentiu mas, mesmo assim? Tão mal nos comportámos nestes trinta e sete anos? É este país um país de maiorias silenciosas, sabemos bem, e o meu amigo Carneiro, o que ofereceu a moeda pretexto destas considerações, pertencerá a essa maioria silenciosa que sabe e sente que, apesar de tudo, desta merda toda, douta ou não douta, que nos rodeia, Jorge de Sena dixit, o 25 de Abril teve o seu lugar e o seu cabimento, e ainda bem que aconteceu. Aliás, lembrar como eram as coisas antes dessa data pode ajudar um pouco, até porque o "Conta-me como foi" do Miguel Guilherme e da Rita Blanco oferece um retrato demasiado lisboeta e brando da coisa...

Portugal era, há quarenta anos, com a honrosa excepção da Albânia, a economia mais atrasada do continente Europeu. O nosso PIB per capita era inferior ao de qualquer país do leste. Ao mesmo tempo, eramos também o povo menos qualificado do continente, talvez com a mesma - mas não confirmada - excepção: a mais baixa taxa de alfabetização para não falar da de licenciados, etc.
Na chamada primavera marcelista, onde se tentou - com dinheiro do estado em parte com origem no petróleo angolano - dar um empurrão à economia portuguesa, inventou-se Sines - era a "porta europeia para o petróleo de Angola" - e falava-se já em Alqueva para um "novo Alentejo" e Rio Frio como o sucessor da Portela de Sacavém. O plano de Auto-Estradas, a ser executado em dez-quinze anos, imitava o de hoje sem as redundâncias. Esta utopia, baseada em dinheiro "alheio", e com três guerras africanas no quintal, morreu a 25 de Abril de  74. Entre outras coisas porque em Maio de 74 o salário mínimo subiu para... 3300 esc.! Sim, grande parte da economia portuguesa acontecia porque os salários eram uma miséria... Quando os quartéis acalmaram, os soldados foram para os campos e montes ensinar a... ler!

Portugal entrou para um mundo de moeda forte - o euro - cedo demais. Nem sei como aguentámos tanto tempo. No que diz respeito ao nº de licenciados ultrapassámos a Turquia há meia dúzia de anos... Sobre a qualidade de todas estas licenciaturas, não serei a pessoa mais qualificada para me pronunciar. Enquanto isto, a Grande Lisboa é hoje por hoje a região europeia com mais densidade de auto-estradas por km2. O quilómetro zero, que em Espanha fica nas Puertas del Sol de Madrid, cá fica ali entre o Estádio da Luz e o Colombo. Servimos e compramos, em isto se resume hoje a nossa economia. Podíamos ter feito melhor?

Portugal vive habitualmente entre a Depressão e a Utopia. A última Utopia foi a europeia. Há pouco mais de cem anos os portugueses, um ex-protectorado inglês, eram - lembram-se d"As Farpas"? - os "cafres" da Europa. Pensando de onde partimos, podia ter sido melhor, podia ter sido pior. Não creio que os alemães nos censurem  por comprar... alemão (Grundig, Siemens, Bosch, VW, BMW...). E não temos um partido português que, como na Finlândia, se reclame dos "Verdadeiros Portugueses". Ou, se tínhamos, ninguém votava nele, e os seus rapazes estão hoje presos por posse ilegal de armas. Sócrates é Sócrates, mas Berlusconi, Sarkozy, Vaclav Klaus, Angela Merkel, etc., são - é possível, é aliás bem visível - ainda piores. A Europa tem hoje este problema: não tem nenhum bom político no activo.

O sr. Carneiro, o homem da boa moeda, aquela que ele ofereceu à minha filha e de que eu serei por alguns anos fiel depositário - mais fiel não poderá haver - é, com todo o seu passado, o que nos resta como futuro. Porque não há futuro sem memória, sem história sabida, e pensada. Português verdadeiro sem nenhum partido por trás que o confirme, trabalhou toda uma vida, com a sua 4ª classe antiga e esquecida, pois hoje mal saberá escrever. A boa moeda é ele, foi e será, ele e os de nós que assim procedem e são. E não há Europa que pague, resgate ou apague esta verdade primeira e última, a de que o português sempre foi gente de trabalho, e bom, e bem feito. A Europa perde se nos perder. Nós, enfim, estamos por aqui, nem nos mexemos...

Esta crise actual, da qual somos sujeitos e vítimas como os restantes europeus, é o teste definitivo à existência de uma Europa. Portugal não está a ser testado, esclareça-se. A bem ou a mal, resistiremos, gostamos demasiado do caldo verde e da carne de porco à alentejana para considerarmos outra hipótese que não a de seguir sendo. Restaurámo-nos em 1640 e a partir daí, seguimos com esta teimosia! A Europa sim, a Europa é uma invenção recente. Tal como estão as coisas, não lhe prevejo grande futuro. 

Como P.S.  esclareço que da Finlândia aprecio demasiadas coisas para estar zangado: ora vejamos, Ari Vattanen, Marku Allen, Hannu Mikkola, o mítico Rali dos Mil Lagos, as também míticas bebedeiras de fim-de-semana (sendo esse o erro de Sibelius, beber também durante a semana...), o eles gostarem tanto de perder connosco em futebol, Alvar Aalto, o dj Sasu Ripatti aka Luomo...

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