No meio do ruído de fundo da semana que findou, líbio, iemenita, japonês, sírio, grego, alemão, finlandês, um doente meu ofereceu-me esta sexta-feira que passou, para a minha filha, uma moeda de cem escudos de prata, comemorativa do 25 de Abril, tiragem de 1977. Tem a minha filha doze anos, a dele um bom bocado mais, fora por mim observada umas semanas antes, suponho que aqui residirá a razão deste presente, dirigido à Catarina.
Mas, porquê aquela moeda de cem escudos comemorativa de uma revolução havida vinte e quatro anos e oito meses antes do nascimento da Catarina? E logo na semana em que o Otelo veio a terreiro dizer que "Hoje, não voltava a fazer a revolução!"? Ainda bem que o amigo Vasco Lourenço o desmentiu mas, mesmo assim? Tão mal nos comportámos nestes trinta e sete anos? É este país um país de maiorias silenciosas, sabemos bem, e o meu amigo Carneiro, o que ofereceu a moeda pretexto destas considerações, pertencerá a essa maioria silenciosa que sabe e sente que, apesar de tudo, desta merda toda, douta ou não douta, que nos rodeia, Jorge de Sena dixit, o 25 de Abril teve o seu lugar e o seu cabimento, e ainda bem que aconteceu. Aliás, lembrar como eram as coisas antes dessa data pode ajudar um pouco, até porque o "Conta-me como foi" do Miguel Guilherme e da Rita Blanco oferece um retrato demasiado lisboeta e brando da coisa...
Portugal era, há quarenta anos, com a honrosa excepção da Albânia, a economia mais atrasada do continente Europeu. O nosso PIB per capita era inferior ao de qualquer país do leste. Ao mesmo tempo, eramos também o povo menos qualificado do continente, talvez com a mesma - mas não confirmada - excepção: a mais baixa taxa de alfabetização para não falar da de licenciados, etc.
Na chamada primavera marcelista, onde se tentou - com dinheiro do estado em parte com origem no petróleo angolano - dar um empurrão à economia portuguesa, inventou-se Sines - era a "porta europeia para o petróleo de Angola" - e falava-se já em Alqueva para um "novo Alentejo" e Rio Frio como o sucessor da Portela de Sacavém. O plano de Auto-Estradas, a ser executado em dez-quinze anos, imitava o de hoje sem as redundâncias. Esta utopia, baseada em dinheiro "alheio", e com três guerras africanas no quintal, morreu a 25 de Abril de 74. Entre outras coisas porque em Maio de 74 o salário mínimo subiu para... 3300 esc.! Sim, grande parte da economia portuguesa acontecia porque os salários eram uma miséria... Quando os quartéis acalmaram, os soldados foram para os campos e montes ensinar a... ler!
Portugal entrou para um mundo de moeda forte - o euro - cedo demais. Nem sei como aguentámos tanto tempo. No que diz respeito ao nº de licenciados ultrapassámos a Turquia há meia dúzia de anos... Sobre a qualidade de todas estas licenciaturas, não serei a pessoa mais qualificada para me pronunciar. Enquanto isto, a Grande Lisboa é hoje por hoje a região europeia com mais densidade de auto-estradas por km2. O quilómetro zero, que em Espanha fica nas Puertas del Sol de Madrid, cá fica ali entre o Estádio da Luz e o Colombo. Servimos e compramos, em isto se resume hoje a nossa economia. Podíamos ter feito melhor?
Portugal vive habitualmente entre a Depressão e a Utopia. A última Utopia foi a europeia. Há pouco mais de cem anos os portugueses, um ex-protectorado inglês, eram - lembram-se d"As Farpas"? - os "cafres" da Europa. Pensando de onde partimos, podia ter sido melhor, podia ter sido pior. Não creio que os alemães nos censurem por comprar... alemão (Grundig, Siemens, Bosch, VW, BMW...). E não temos um partido português que, como na Finlândia, se reclame dos "Verdadeiros Portugueses". Ou, se tínhamos, ninguém votava nele, e os seus rapazes estão hoje presos por posse ilegal de armas. Sócrates é Sócrates, mas Berlusconi, Sarkozy, Vaclav Klaus, Angela Merkel, etc., são - é possível, é aliás bem visível - ainda piores. A Europa tem hoje este problema: não tem nenhum bom político no activo.
O sr. Carneiro, o homem da boa moeda, aquela que ele ofereceu à minha filha e de que eu serei por alguns anos fiel depositário - mais fiel não poderá haver - é, com todo o seu passado, o que nos resta como futuro. Porque não há futuro sem memória, sem história sabida, e pensada. Português verdadeiro sem nenhum partido por trás que o confirme, trabalhou toda uma vida, com a sua 4ª classe antiga e esquecida, pois hoje mal saberá escrever. A boa moeda é ele, foi e será, ele e os de nós que assim procedem e são. E não há Europa que pague, resgate ou apague esta verdade primeira e última, a de que o português sempre foi gente de trabalho, e bom, e bem feito. A Europa perde se nos perder. Nós, enfim, estamos por aqui, nem nos mexemos...
Esta crise actual, da qual somos sujeitos e vítimas como os restantes europeus, é o teste definitivo à existência de uma Europa. Portugal não está a ser testado, esclareça-se. A bem ou a mal, resistiremos, gostamos demasiado do caldo verde e da carne de porco à alentejana para considerarmos outra hipótese que não a de seguir sendo. Restaurámo-nos em 1640 e a partir daí, seguimos com esta teimosia! A Europa sim, a Europa é uma invenção recente. Tal como estão as coisas, não lhe prevejo grande futuro.
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