naquele tempo
o chão era de tábuas
e as palavras agonizavam nas janelas fechadas
dos silêncios obrigatórios.
as ruas
moravam entre cercas invisíveis
e electrificadas de medos metálicos e angulares
e a escola
tinha poliedros sentados nas carteiras
cochichando fórmulas e perspectivas
de aventura.
não.
não havia ainda pirilampos no céu negro dos dias difíceis
e os sinais de luz, aqueles sinais de luz, apenas atraíam a sonâmbula liberdade
dos poemas voluntários.
e os poemas, esses mesmos poemas, eram metricamente selvagens e anónimos
e esmagavam-se, volatizavam-se, derrotavam-se
quase sozinhos no ar
como se tivessem línguas, setas, balas, mísseis
a desfazerem-lhes as entranhas.
as pessoas, todas as pessoas de então
morriam dia-a-dia como se fossem
cavalos imaginários, curriculares e emblemáticos
de um estranho picadeiro farpado pela escuridão
de madressilvas moribundas.
era assim naquele tempo
um tempo em que “saudade” era uma palavra fortíssima
com um um sabor fardado
de lágrimas que não queríamos.
depois chegou abril
e as memórias adormeceram nos sofás confortáveis
da liberdade experimental.
não.
naquele tempo era o “não” que reinava
por toda a parte das nossas partes
nuas e policiadas
pelos ventos grafíticos da noite.
e nos vãos de escada aprontavam-se as revoltas
que o não foram
nem o são hoje.
resta-nos... a memória?...
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