sexta-feira, 22 de abril de 2011

depois veio abril


naquele tempo

o chão era de tábuas

e as palavras agonizavam nas janelas fechadas

dos silêncios obrigatórios.


as ruas

moravam entre cercas invisíveis

e electrificadas de medos metálicos e angulares

e a escola

tinha poliedros sentados nas carteiras

cochichando fórmulas e perspectivas

de aventura.


não.

não havia ainda pirilampos no céu negro dos dias difíceis

e os sinais de luz, aqueles sinais de luz, apenas atraíam a sonâmbula liberdade

dos poemas voluntários.


e os poemas, esses mesmos poemas, eram metricamente selvagens e anónimos

e esmagavam-se, volatizavam-se, derrotavam-se

quase sozinhos no ar

como se tivessem línguas, setas, balas, mísseis

a desfazerem-lhes as entranhas.


as pessoas, todas as pessoas de então

morriam dia-a-dia como se fossem

cavalos imaginários, curriculares e emblemáticos

de um estranho picadeiro farpado pela escuridão

de madressilvas moribundas.


era assim naquele tempo

um tempo em que “saudade” era uma palavra fortíssima

com um um sabor fardado

de lágrimas que não queríamos.


depois chegou abril

e as memórias adormeceram nos sofás confortáveis

da liberdade experimental.


não.

naquele tempo era o “não” que reinava

por toda a parte das nossas partes

nuas e policiadas

pelos ventos grafíticos da noite.


e nos vãos de escada aprontavam-se as revoltas

que o não foram

nem o são hoje.

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