O relatório do FMI (RDF) afirma taxativamente que o Estado português tem funcionários a mais em duas áreas - educação e segurança. Vamos falar da educação.
Os dados são os seguintes: Portugal gasta em percentagem do PIB o mesmo que, por ex., a Finlândia e tem dos menores ratios de alunos por professor da Europa, sendo que o grosso do ensino é público. E no entanto as escolas com melhor avaliação são privadas e a performance portuguesa no PISA - programa da OCDE de avaliação da performance escolar - é modesta. Os ordenados dos professores estão na média europeia ( com melhores salários na escola pública do que na privada) e a progressão salarial é por antiguidade e não por mérito. As colocações são centralizadas e rigidas e, uma vez mais, o mérito não é tido em conta. A carga horária é considerada curta. Dado o precipicio demográfico em que nos encontramos a necessidade de despedir professores parece óbvia, e os números no global não parecem mais assustadores porque o número de alunos nos extremos - pre-primário e universitário - continua a subir.
Desenhado este quadro, as sugestões são óbvias: despedir, mobilizar, aumentar a carga horária, premiar o mérito e não a antiguidade, passar funções para o ensino convencionado onde os ordenados são mais baratos, aumentar as propinas no ensino superior, etc., etc.
O RDF esquece a história educativa portuguesa. O nível português de alfabetização leva quase um século de atraso em relação à Finlândia, cujo PIB per capita de base é várias vezes superior ao nosso. A escola portuguesa tem mais trabalho pela frente ao educar um aluno do que a escola finlandesa. Sim, é preciso avaliar, sim é preciso mobilidade dos professores mais antigos - os mais novos já a têm, completamente aleatória. Sobre a carga horária não me pertence a mim pronunciar. Um professor trabalha mais em casa do que outros profissionais, não esqueçamos. A progressão salarial por antiguidade não me parece um erro em si. O erro está em não existir progressão por mérito. Lembremos que em Portugal nunca ouve uma meritocracia. Os portugueses não sabem como se faz e desconfiam que "meritocracia" seja um sinónimo encoberto para compadrio e escolha a dedo. E têm razões antigas e novas para isso. A profissão de professor não é uma profissão qualquer. O número excessivo de profissionais nasceu de um apelo subterrâneo (ou não) para que a educação finalmente fosse universal em Portugal. Quando houve na Finlândia militares a alfabetizar os camponeses? A curva demográfica portuguesa foi das mais abruptas da Europa, com uma queda abissal após um boom demográfico pós-74 que foi amenizado pela imigração dos anos oitenta e noventa, africanos primeiro, europeus de leste depois.
O sofisma de que a escola pública prolonga e promove a desigualdade em vez de a desfazer nasce do facto dos alunos já partirem para a escola com uma desigualdade escolar "endógena", familiar, de base dificilmente recuperável. O olhar está portanto enviezado. Pode dizer-se que a escola pública é rígida, é formatada de cima para baixo, e é verdade. Mas as crianças "melhores" vão para as escolas privadas e assim se explica em grande parte os tais bons resultados. E quando se diz que a universidade pública também promove a desigualdade não se quer ler que as melhores notas de entrada para as universidades públicas - estas sim tidas como as melhores - são obtidas no ensino secundário privado pelos alunos endinheirados, deixando de fora os outros. As universidades privadas vivem então dos alunos da classe média e média-baixa cujos pais passam fome ou quase para pagar as propinas, e dos alunos ricos e estúpidos mas a quem o ensino superior nunca será negado pelos pais. Grosso modo é assim, a excepção sendo isso mesmo: excepção. Subir propinas e manter igualdade ou não agravar o actual nível de desigualdade de acesso à universidade pública pede obrigatoriamente aumento do apoio social aos alunos. Podemos fazê-lo?
Sim, os sindicatos dos professores são uma corporação agressiva e "reaccionária". Mas o professor não pode ser visto como um inimigo. A escola pública é também onde o aluno aprende a ser social, aprende a conviver em democracia. Ou não. Possivelmente consegue-se fazer melhor escola pública com menos dinheiro. E vai ser necessário, infelizmente, avaliar os professores, mobilizar professores, despedir professores. Talvez seja preciso descentralizar mais, e competir, e premiar. E castigar. Mas uma escola pública excelente deve ser a meta a atingir. E nisto, firmemente, creio. Enquanto escrevo a minha filha frequenta uma escola privada. Mas eu não disse que a escola pública hoje está bem. Ninguém pode dizer isso. Mas tenho eu menos direito a pronunciar-me sobre ela do que o FMI?
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