quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Sobre (outra vez) o medo.

Na sequência de declarações recentes que passam por originais, seja na televisão seja nos jornais, aqui vai do O'Neill, tão a propósito...




O Poema Pouco Original do Medo




O medo vai ter tudo

pernas

ambulâncias

e o luxo blindado

de alguns automóveis



Vai ter olhos onde ninguém os veja

mãozinhas cautelosas

enredos quase inocentes

ouvidos não só nas paredes

mas também no chão

no tecto

no murmúrio dos esgotos

e talvez até (cautela!)

ouvidos nos teus ouvidos



O medo vai ter tudo

fantasmas na ópera

sessões contínuas de espiritismo

milagres

cortejos

frases corajosas

meninas exemplares

seguras casas de penhor

maliciosas casas de passe

conferências várias

congressos muitos

óptimos empregos

poemas originais

e poemas como este

projectos altamente porcos

heróis

(o medo vai ter heróis!)

costureiras reais e irreais

operários

(assim assim)

escriturários

(muitos)

intelectuais

(o que se sabe)

a tua voz talvez

talvez a minha

com certeza a deles



Vai ter capitais

países

suspeitas como toda a gente

muitíssimos amigos

beijos

namorados esverdeados

amantes silenciosos

ardentes

e angustiados



Ah o medo vai ter tudo

tudo



(Penso no que o medo vai ter

e tenho medo

que é justamente

o que o medo quer)



*

O medo vai ter tudo

quase tudo

e cada um por seu caminho

havemos todos de chegar

quase todos

a ratos



Sim

a ratos

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