terça-feira, 4 de setembro de 2012

RAN3 – O ÚLTIMO NÍVEL







Manual de Instruções para o Jogo do Ran (Rápida Ascensão Nacional)


Este jogo pode e deve ser jogado por, apenas, um jogador... de cada vez.

Dica: Para ter sucesso, o jogador deve procurar manter o seu baixo nível habitual.
Advertência: Este jogo provoca forte dependência e proporciona proveitos inesperados e irreversíveis.
Nota: Em caso de dúvida, aconselhe-se consigo próprio.


Ran1 – O Principiante

Corre, salta, anda, nada. O cansaço não passa por ele. É novo, novato e noviço. O seu mundo é um comício, um congresso ou um jantar de militantes. Tanto faz.
A sociedade é aquilo que os seus ídolos dizem: tal e qual. A política é a vida, a vida é o partido do presidente da câmara e o presidente da câmara é deus, sem tirar nem pôr.
O seu sonho maior é ser o mais igual possível ao mestre estampado nos cartazes.
Mas, ainda é cedo. Para já, o seu catecismo é um livro único, adoptado sem dúvidas nem comentários.

Corre, salta, anda, nada. De vez em quando, fala com as palavras iguais às do seu deus, à espera que esse mesmo deus o puxe para junto dele e lhe entregue uma fatia de céu.
Corre, salta, anda, nada. Está no primeiro nível do jogo. Os bicos dos pés são o seu suporte natural e a bajulação é uma questão de princípios e um modo de sobrevivência.
Assume trejeitos de libelinha atarefada, de melga nervosa, de pardal irrequieto, de rato de porão.
Começa a distanciar-se das emoções, controla os sorrisos e disfarça a ganância latente. Tudo, com uma facilidade estonteante e rigidamente ensaiada.
Com o decorrer do tempo, veste-se melhor e torna-se quase imune aos valores essenciais. Um dia, passa de nível.

Ran2 – O Bom

Ainda corre, ainda salta, ainda anda, ainda nada. Está no nível dois do jogo. É um sábio, um sabichão, um sabidola. O seu mundo é uma montra em constante movimento, um carrossel de teorias milenares e sarcásticas, um chorrilho de promessas ou de coisas parecidas com vigarices.
Nesta fase, a sociedade pode tornar-se naquilo que ele próprio diz. Para isso, esforça-se por ser cada vez mais altaneiro, mais ridículo e mais influente. A política é a vida e a vida é o parlamento, paredes-meias com um qualquer poleiro do partido, e o presidente do partido é deus, sem tirar nem pôr.

O jogo começa a correr bem. O tipo está quase um ás em matéria de trapaças. O seu maior sonho é passar despercebido com os seus sacos de cor azul. Já não é cedo para arrepiar caminho em direcção ao éden. Agora, é ele próprio quem inventa as suas bíblias e limites. Os catecismos ficaram para quem vem atrás, tentando imitá-lo.

Ainda corre, ainda salta, ainda anda, ainda nada. De vez em quando, e bem à sua maneira, dá nas vistas e nos noticiários, falando mal de quem não o apoia, falando bem dos que o aplaudem e falando melhor dos que, ainda, estão mais acima.

E, assim, com a consciência no bolso e a honra na pasta, lá vai, jogo adiante, ganhando mais vidas de cada vez que abate ou tenta abater alguém. A corrupção e a mentira são a sua base de sustento obrigatório e o seu mundo está nas autarquias, no miolo dos gabinetes, nas instituições públicas e nos quadros superiores de um qualquer sítio importante. É aí que o jogador repousa, enquanto o alimentam com dinheiros e palmadinhas nas costas. Um dia, passa de nível.


Ran3 – O Mestre

O último nível. Não há mais nada para lá deste patamar. Nada que seja digno de importância. A partir daqui já não há quem corra, já não há quem salte, já não há quem nade. Já não é preciso. Não há ruas nem caminhos a percorrer nem mares nem rios para atravessar. O mundo é um pântano cheio de curvas, eleições e moscas. Segundo a Constituição, quem mora aqui, é senhor das suas coisas e das coisas dos outros. É mais forte do que deus, mesmo que deus seja o presidente da câmara.

Nesta fase, o jogador move-se, apenas, entre dois pontinhos pequeninos de um ecrã minúsculo e negro.
Num dos pontos situam-se as delícias das viagens ao Índico e no outro ponto, a vaidade das Ran3 (rentrées). Estar num dos lados é, perfeitamente, igual a estar no outro.
Para além dele, ninguém se importa.

Ctrl+Alt+Del, já!
Já!...

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