Manual de Instruções para o Jogo do Ran
(Rápida Ascensão Nacional)
Este jogo pode e deve
ser jogado por, apenas, um jogador... de cada vez.
Dica:
Para ter sucesso, o jogador deve procurar
manter o seu baixo nível habitual.
Advertência:
Este jogo provoca forte dependência e
proporciona proveitos inesperados e irreversíveis.
Nota:
Em caso de dúvida, aconselhe-se consigo
próprio.
Ran1
– O Principiante
Corre,
salta, anda, nada. O cansaço não passa por ele. É novo, novato e noviço. O seu
mundo é um comício, um congresso ou um jantar de militantes. Tanto faz.
A
sociedade é aquilo que os seus ídolos dizem: tal e qual. A política é a vida, a
vida é o partido do presidente da câmara e o presidente da câmara é deus, sem
tirar nem pôr.
O
seu sonho maior é ser o mais igual possível ao mestre estampado nos cartazes.
Mas,
ainda é cedo. Para já, o seu catecismo é um livro único, adoptado sem dúvidas
nem comentários.
Corre,
salta, anda, nada. De vez em quando, fala com as palavras iguais às do seu
deus, à espera que esse mesmo deus o puxe para junto dele e lhe entregue uma
fatia de céu.
Corre,
salta, anda, nada. Está no primeiro nível do jogo. Os bicos dos pés são o seu
suporte natural e a bajulação é uma questão de princípios e um modo de sobrevivência.
Assume
trejeitos de libelinha atarefada, de melga nervosa, de pardal irrequieto, de
rato de porão.
Começa
a distanciar-se das emoções, controla os sorrisos e disfarça a ganância
latente. Tudo, com uma facilidade estonteante e rigidamente ensaiada.
Com
o decorrer do tempo, veste-se melhor e torna-se quase imune aos valores
essenciais. Um dia, passa de nível.
Ran2
– O Bom
Ainda
corre, ainda salta, ainda anda, ainda nada. Está no nível dois do jogo. É um
sábio, um sabichão, um sabidola. O seu mundo é uma montra em constante
movimento, um carrossel de teorias milenares e sarcásticas, um chorrilho de
promessas ou de coisas parecidas com vigarices.
Nesta
fase, a sociedade pode tornar-se naquilo que ele próprio diz. Para isso,
esforça-se por ser cada vez mais altaneiro, mais ridículo e mais influente. A
política é a vida e a vida é o parlamento, paredes-meias com um qualquer
poleiro do partido, e o presidente do partido é deus, sem tirar nem pôr.
O
jogo começa a correr bem. O tipo está quase um ás em matéria de trapaças. O seu
maior sonho é passar despercebido com os seus sacos de cor azul. Já não é cedo
para arrepiar caminho em direcção ao éden. Agora, é ele próprio quem inventa as
suas bíblias e limites. Os catecismos ficaram para quem vem atrás, tentando
imitá-lo.
Ainda
corre, ainda salta, ainda anda, ainda nada. De vez em quando, e bem à sua
maneira, dá nas vistas e nos noticiários, falando mal de quem não o apoia,
falando bem dos que o aplaudem e falando melhor dos que, ainda, estão mais
acima.
E,
assim, com a consciência no bolso e a honra na pasta, lá vai, jogo adiante,
ganhando mais vidas de cada vez que abate ou tenta abater alguém. A corrupção e
a mentira são a sua base de sustento obrigatório e o seu mundo está nas
autarquias, no miolo dos gabinetes, nas instituições públicas e nos quadros
superiores de um qualquer sítio importante. É aí que o jogador repousa,
enquanto o alimentam com dinheiros e palmadinhas nas costas. Um dia, passa de
nível.
Ran3
– O Mestre
O
último nível. Não há mais nada para lá deste patamar. Nada que seja digno de
importância. A partir daqui já não há quem corra, já não há quem salte, já não
há quem nade. Já não é preciso. Não há ruas nem caminhos a percorrer nem mares
nem rios para atravessar. O mundo é um pântano cheio de curvas, eleições e
moscas. Segundo a Constituição, quem mora aqui, é senhor das suas coisas e das
coisas dos outros. É mais forte do que deus, mesmo que deus seja o presidente
da câmara.
Nesta
fase, o jogador move-se, apenas, entre dois pontinhos pequeninos de um ecrã minúsculo
e negro.
Num
dos pontos situam-se as delícias das viagens ao Índico e no outro ponto, a
vaidade das Ran3 (rentrées). Estar num dos lados é, perfeitamente, igual a
estar no outro.
Para
além dele, ninguém se importa.
Ctrl+Alt+Del,
já!
Já!...
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