sábado, 24 de abril de 2010

Avastin

Contra o feito até agora, vou escrever algumas coisinhas sobre uma questão de saúde. O Infarmed acabou de não permitir a utilização do fármaco Avastin (nome comercial), da Roche, para casos de cancro da mama metastizado (disseminado), com intenção paliativa, ie, não curativa. O despacho está disponível no site do Infarmed e é bastante técnico e algo impenetrável. Esclareça-se que o Avastin está autorizado para este uso nos USA via FDA e UE via EMEA, embora aqui tenha que suceder-se à autoridade europeia a autoridade nacional, como foi o nosso caso. Outro país onde ao Avastin foi recusada esta indicação foi o Reino Unido, país que também, como sabemos, tem especial cuidado com os custos na saúde...
Ora vejamos: o Avastin é um proteína análoga a uma proteína nossa, portanto produto de engenharia biológica avançada e muito cara, que inibe de alguma forma a alimentação sanguínea do tumor. Usa-se com sucesso moderado em outros casos de cancros avançados, disseminados, também com intenção paliativa. Ainda não tinha sido autorizado em Portugal para ser usado na indicação acima, cancro da mama avançado, incurável. O que acontece é que, existindo já o fármaco no armamentário hospitalar para outras indicações, ele já está a ser usado na Oncologia portuguesa "off-label" (literalmente fora das indicações que vêm na bula...) para estes casos. Claro que assumo que este uso tem tido como único motivo o empenho no melhor tratamento para o doente, expectativas de autorização próxima dados os despachos da FDA e da EMEA e, finalmente, pelo atraso na saída da decisão do Infarmed, em gestação desde 2008. Cada ampola de tratamento custa mais de 1000 euros.
Portanto o Infarmed não está a retirar nenhum medicamento do mercado nem a revogar uma indicação terapêutica que, pelo menos em Portugal, já estivesse estabelecida...
Agora na realidade, algumas dezenas senão centenas de doentes oncológicos viram os seus tratamentos suspensos e "revogados" por esta decisão... Podemos imaginar o sofrimento destes doentes, confiantes que estão receber o melhor tratamento para a sua dramática doença e de repente, nada...
Dos estudos citados e duma volta rápida aos sites devidos na internet retira-se que efectivamente  o Avastin prolonga pouco, muito pouco, a vida deste tipo de doentes, em média. Parece sim que aumenta em meses o tempo de ausência de doença, ie, o tempo de remissão, em que o doente estará portanto, clinicamente melhor, mais activo, sem dores, sem queixas, etc. A comunidade científica ainda não percebeu bem o porquê deste diferencial, mas efectivamente parece verificar-se. Uma vez mais a questão de "qualidade" vs "quantidade" de vida... O despacho do Infarmed faz algumas considerações sobre este tema não demasiado felizes, ora duvidando do que aparece claramente expresso noutros sites, ora menosprezando que "tempo de vida livre de doença" deva ser uma variável a ter em atenção. Uma variável...

Bom. Agora a minha opinião.
Claro que todos os doentes que agora estão a fazer Avastin devem poder continuar a fazê-lo. Em nenhum momento o Infarmed prova que o fármaco faça mal, diminua a sobrevida, etc. É uma questão de respeito pelo sofrimento em causa. Um programa de fármacovigilância deve abranger todos estes doentes.
Convém que o Infarmed passe a ter nome. Se "todos" os Oncologistas estão contra este despacho, quem o fez, qual a sua qualificação? Qual a sua área de trabalho e nomeadamente a sua ligação à área de Oncologia?
Uso de medicamentos caros "off label" (ie, fora das indicações terapêuticas aprovadas...) levanta sempre suspeitas sobre a bondade de tal procedimento. Cada hospital deve ter regras claras sobre este tipo de usos, eu diria até que qualquer médico as devia ter... para que não se crie uma névoa de confusão na real razão por trás da prescrição.
Finalmente é óbvio que o  "tempo de vida livre de doença" é um óptimo endpoint, ou seja, se um doente oncológico consegue devido a um novo tratamento viver sem queixas relevantes mais dois, três, quatro meses ou até mais (estas coisas variam...) com os seus e consigo próprio, eu digo, fantástico, não? Isto quando inversamente muitos tratamentos oncológicos são acusados justamente do inverso, ie, de fornecer tempo de vida reduzindo drasticamente a qualidade da mesma...
Porque escrevi sobre?  Política de saúde é isto...

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