segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O relatório do FMI e 2013 - a Educação.

O relatório do FMI (RDF) afirma taxativamente que o Estado português tem funcionários a mais em duas áreas - educação e segurança. Vamos falar da educação.
Os dados são os seguintes: Portugal gasta em percentagem do PIB o mesmo que, por ex.,  a Finlândia e tem dos menores ratios de alunos por professor da Europa, sendo que o grosso do ensino é público. E no entanto as escolas com melhor avaliação são privadas e a performance portuguesa no PISA - programa da OCDE de avaliação da performance escolar - é modesta. Os ordenados dos professores estão na média europeia ( com melhores salários na escola pública do que na privada) e a progressão salarial é por antiguidade e não por mérito. As colocações são centralizadas e rigidas e, uma vez mais, o mérito não é tido em conta. A carga horária é considerada curta. Dado o precipicio demográfico em que nos encontramos a necessidade de despedir professores parece óbvia, e os números no global não parecem mais assustadores porque o número de alunos nos extremos - pre-primário e universitário - continua a subir.
Desenhado este quadro, as sugestões são óbvias: despedir, mobilizar, aumentar a carga horária, premiar o mérito e não a antiguidade, passar funções para o ensino convencionado onde os ordenados são mais baratos, aumentar as propinas no ensino superior, etc., etc.
O RDF esquece a história educativa portuguesa. O nível português de alfabetização leva quase um século de atraso em relação à Finlândia, cujo PIB per capita de base é várias vezes superior ao nosso. A escola portuguesa tem mais trabalho pela frente ao educar um aluno do que a escola finlandesa. Sim, é preciso avaliar, sim é preciso mobilidade dos professores mais antigos - os mais novos já a têm, completamente aleatória. Sobre a carga horária não me pertence a mim pronunciar. Um professor trabalha mais em casa do que outros profissionais, não esqueçamos. A progressão salarial por antiguidade não me parece um erro em si. O erro está em não existir progressão por mérito. Lembremos que em Portugal nunca ouve uma meritocracia. Os portugueses não sabem como se faz e desconfiam que "meritocracia" seja um sinónimo encoberto para compadrio e escolha a dedo. E têm razões antigas e novas para isso. A profissão de professor não é uma profissão qualquer. O número excessivo de profissionais nasceu de um apelo subterrâneo (ou não) para que a educação finalmente fosse universal em Portugal. Quando houve na Finlândia militares a alfabetizar os camponeses? A curva demográfica portuguesa foi das mais abruptas da Europa, com uma queda abissal após um boom demográfico pós-74 que foi amenizado pela imigração dos anos  oitenta e noventa, africanos primeiro, europeus de leste depois.
O sofisma de que a escola pública prolonga e promove a desigualdade em vez de a desfazer nasce do facto dos alunos já partirem para a escola com uma desigualdade escolar "endógena", familiar,  de base dificilmente recuperável. O olhar está portanto enviezado. Pode dizer-se que a escola pública é rígida, é formatada de cima para baixo, e é verdade. Mas as crianças "melhores" vão para as escolas privadas e assim se explica em grande parte os tais bons resultados. E quando se diz que a universidade pública também promove a desigualdade não se quer ler que as melhores notas de entrada para as universidades públicas - estas sim tidas como as melhores - são obtidas no ensino secundário privado pelos alunos endinheirados, deixando de fora os outros. As universidades privadas vivem então dos alunos da classe média e média-baixa cujos pais passam fome ou quase para pagar as propinas, e dos alunos ricos e estúpidos mas a quem o ensino superior nunca será negado pelos pais. Grosso modo é assim, a excepção sendo isso mesmo: excepção. Subir propinas e manter igualdade ou não agravar o actual nível de desigualdade de acesso à universidade pública pede obrigatoriamente aumento do apoio social aos alunos. Podemos fazê-lo?

Sim, os sindicatos dos professores são uma corporação agressiva e "reaccionária". Mas o professor não pode ser visto como um inimigo. A escola pública é também onde o aluno aprende a ser social, aprende a conviver em democracia. Ou não. Possivelmente consegue-se fazer melhor escola pública com menos dinheiro. E vai ser necessário, infelizmente, avaliar os professores, mobilizar professores, despedir professores. Talvez seja preciso descentralizar mais, e competir, e premiar. E castigar. Mas uma escola pública excelente deve ser a meta a atingir. E nisto, firmemente, creio. Enquanto escrevo  a minha filha frequenta uma escola privada. Mas eu não disse que a escola pública hoje está bem. Ninguém pode dizer isso. Mas tenho eu menos direito a pronunciar-me sobre ela do que o FMI?

domingo, 13 de janeiro de 2013

E uma salvaguarda.

E, antes de arrancarmos para uma melhor análise do relatório do FMI e do momento que vivemos, porque tem este blogue - no que a mim diz respeito - estado tão calado? A resposta é simples: porque Miguel Relvas ainda é ministro. É que não há palavras.

O relatório do FMI e o ano de 2013 - take one.

Um país não é só números. Os números que medem um país nascem duma história. E os números nascem de um país em movimento. Números são um reflexo e não a essência. Números incontornáveis mas menos do que as pessoas que assim aparecem medidas. Espremidas?

Este relatório do FMI - cuja divulgação terá surpreendido o próprio e interessará aos do costume - é uma avaliação que só pode ser rejeitada - e a ideia é que o deve ser - após análise profunda e resposta adequada, isto é, com números melhores e falando das pessoas que nós somos metidos neste embrulho. Se considerarmos o relatório superficial, e ele nem sempre o é, a sua refutação não pode ser superficial. Mas a razão mais simples para recusar este relatório como a receita certa é que não somos nós a fazê-lo. E, para mim, esta razão chega. Basta de política e de políticos cobardes que pedem a outros - estrangeiros, ie., estranhos a nós - para ditar ao pobre nós-público o que verdadeiramente negro  sobre nós lhes vai na alma! Eu disse alma?

Agora é preciso responder e muito e circunstanciadamente.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Sobre (outra vez) o medo.

Na sequência de declarações recentes que passam por originais, seja na televisão seja nos jornais, aqui vai do O'Neill, tão a propósito...




O Poema Pouco Original do Medo




O medo vai ter tudo

pernas

ambulâncias

e o luxo blindado

de alguns automóveis



Vai ter olhos onde ninguém os veja

mãozinhas cautelosas

enredos quase inocentes

ouvidos não só nas paredes

mas também no chão

no tecto

no murmúrio dos esgotos

e talvez até (cautela!)

ouvidos nos teus ouvidos



O medo vai ter tudo

fantasmas na ópera

sessões contínuas de espiritismo

milagres

cortejos

frases corajosas

meninas exemplares

seguras casas de penhor

maliciosas casas de passe

conferências várias

congressos muitos

óptimos empregos

poemas originais

e poemas como este

projectos altamente porcos

heróis

(o medo vai ter heróis!)

costureiras reais e irreais

operários

(assim assim)

escriturários

(muitos)

intelectuais

(o que se sabe)

a tua voz talvez

talvez a minha

com certeza a deles



Vai ter capitais

países

suspeitas como toda a gente

muitíssimos amigos

beijos

namorados esverdeados

amantes silenciosos

ardentes

e angustiados



Ah o medo vai ter tudo

tudo



(Penso no que o medo vai ter

e tenho medo

que é justamente

o que o medo quer)



*

O medo vai ter tudo

quase tudo

e cada um por seu caminho

havemos todos de chegar

quase todos

a ratos



Sim

a ratos